PELA NÃO PROMULGAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº425/2022 APROVADO PELA CAMARA MUNICIPAL DE MACEIÓ

PELA NÃO PROMULGAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº425/2022 APROVADO PELA CAMARA MUNICIPAL DE MACEIÓ

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17 de março de 2023
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A importância deste abaixo-assinado

Iniciado por Pedro Gustavo Rieger

MANIFESTO PELA NÃO PROMULGAÇÃO DO PROJETO DE LEI Nº 425/2022 APROVADO PELA CÂMARA MUNICIPAL DE MACEIÓ

Este manifesto foi escrito por participantes da disciplina de Estudos do Discurso, vinculada ao curso de Letras Inglês da Universidade Federal de Alagoas, com o objetivo de tecer alguns apontamentos em relação ao Projeto de Lei nº 425/2022 aprovado pela Câmara Municipal de Maceió, que “estabelece a obrigatoriedade para os estabelecimentos da rede municipal de saúde de orientar e esclarecer às gestantes sobre os riscos e consequências do procedimento abortivo". Para isso, o documento foi organizado da seguinte maneira: Primeiramente, fizemos apontamentos quanto à consistência técnica que fundamenta o projeto de lei aprovado. Posteriormente, trouxemos informações baseadas em estudos relacionados à Interrupção Voluntária da Gravidez, destacando alguns de seus impactos à saúde da mulher. Por fim, fizemos algumas recomendações aos canais midiáticos quanto às recontextualizações acerca deste projeto. Convidamos membros da comunidade acadêmica e da sociedade civil a apoiarem este manifesto, assinando-o. 

1 - Com relação à consistência técnica do projeto de lei apresentado, destacamos os seguintes pontos em atenção à sua justificativa:

  • Primeiramente, o início da justificativa se dá com base em valores morais pautados em crenças pessoais, em que os propositores do projeto se colocam contrários ao procedimento de interrupção voluntária da gravidez mesmo nos casos previstos em lei. Compreendemos que este tipo de legitimação não pode, em hipótese alguma, fundamentar a proposição de nova lei com potencial de impactar significativamente a vida das mulheres, de forma negativa, na medida em que afronta princípios já estabelecidos e consolidados no repertório legislativo vigente no Brasil, conforme Artigo 128 do Código Penal [1].
  • Em um segundo momento, os propositores afirmam que “estudos apontam inúmeros efeitos colaterais (físicos) do procedimento”, sem, no entanto, referenciar qualquer um destes estudos. A ausência de referências compromete a confiabilidade dos dados apresentados, uma vez que impede as sociedades civil e científica de terem acesso aos estudos e às metodologias empregadas em seu desenvolvimento, a fim de validarem e/ou legitimarem sua veracidade. Além disso, ao se referirem a “procedimentos abortivos”, de modo amplo, para destacar estes supostos efeitos colaterais, os propositores não fazem distinção entre aborto seguro e aborto inseguro - assim compreendidos, respectivamente, como aqueles procedimentos feitos com profissionais capacitados e com pessoas não capacitadas. Neste sentido, deve-se considerar que a interrupção voluntária da gravidez, quando realizada por profissional capacitado, reduz drasticamente os riscos de complicações, conforme consta em protocolo específico para procedimentos de aborto produzido pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro [2].
  • Com relação à afirmação de que "uma das causas mais frequentes de mortes maternas é a anestesia mal administrada e reações de rejeição do corpo, devido a alergias ou doses equivocadas" (nosso grifo em itálico), é preciso reconhecer que não se pode restringir o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez sob argumentos que configuram, na verdade, possíveis erros de procedimento, praticados principalmente nos casos em que os envolvidos não são capacitados.
  • Com relação às supostas consequências psicológicas apontadas pelos propositores do projeto, destaca-se também a ausência de referências que possibilitem, uma vez mais, as sociedades civil e científica de terem acesso aos estudos e às metodologias empregadas em seu desenvolvimento, a fim de validarem e/ou legitimarem sua veracidade. Assim, observa-se que os propositores utilizam-se destes elementos como ferramentas de manipulação e imposição de medo, ao construírem uma imagem generalizada acerca do procedimento de interrupção voluntária da gravidez e da mulher que passa por tal procedimento; isto é, de que todas as mulheres que venham a interrompê-la possam estar sujeitas a "perda de apetite sexual", "aversão ao parceiro", "maior suscetibilidade de serem vítimas de homicídio", "risco de abuso" de drogas, e desenvolvimento de diagnósticos em saúde mental - sem considerar as especificidades dos casos de interrupção voluntária da gravidez. Apenas a título de exemplo, não há que se falar em ‘aversão ao parceiro’ nos casos em que a gravidez decorre de violência sexual, tampouco se pode associar o procedimento de interrupção voluntária da gravidez à perda de apetite sexual nestes mesmos casos, visto que a violência sexual por si só é um elemento capaz de desencadear traumas e afetos negativos por toda a vida de uma pessoa.
  • Por fim, ao afirmar que "são inúmeros os estudos que demonstram os malefícios do aborto para a saúde da mulher", novamente, tais estudos não se encontram citados ou referenciados. Além disso, chama nossa atenção o fato de haver menção apenas a supostos estudos que relatam malefícios associados ao procedimento, sem qualquer espaço para o contraditório - como é o caso de estudos que apresentam, por exemplo, os benefícios à vida das mulheres que recorrem à interrupção voluntária da gravidez como forma de exercer sua autonomia sobre sua saúde física e mental. Não obstante, não se pode admitir que a saúde da mulher seja tratada tendo como uma das únicas referências listadas no projeto uma página pretensamente jornalística que publica informações sem qualquer comprometimento com a ciência.

2 - Com relação aos supostos danos à saúde da mulher causados pelo procedimento de Interrupção Voluntária da Gravidez, temos também as seguintes considerações a fazer:

  • Estudos apontam que a gravidez decorrente de violência sexual consiste em um modo de perpetuar as experiências traumáticas vivenciadas pelas mulheres. Além disso, a exposição ao desenvolvimento do feto por insistência médica, uma das premissas defendidas pelo projeto de lei proposto, consiste, na verdade, em outro evento traumático (RUSCHEL; MACHADO; GIUGLIANI; KNAUTH, 2022) [3]. Não se pode, portanto, apresentar tais medidas sob a justificativa de uma pretensa preocupação com a saúde da mulher, na medida em que a literatura científica indica exatamente o contrário, a saber, os danos que estas mesmas medidas podem ter sobre a saúde mental e física da mulher, potencializando os sentimentos de culpa, ansiedade, remorso, depressão, entre outros igualmente negativos.
  • Devemos considerar, diante deste cenário, que tais sentimentos de culpa, ansiedade, depressão, quando existentes e relatados na literatura, estão ainda relacionados justamente à falta de assistência social e em saúde prestada a essas mulheres, levando-as a realizar o procedimento sem qualquer tipo de amparo. Como apontam Romio et al. (2015, p. 73) [4], “Villela et al. (2012) [5] reforçaram que condições mais graves de sofrimento  mental  podem  estar vinculadas às condições de criminalidade em que as mulheres realizam a interrupção da gestação, a sós e com medo”. Assim sendo, a assistência antes, durante e após o aborto para que a mulher compreenda estar exercendo um direito e sua cidadania, deve ser prerrogativa primeira daqueles que se dizem interessados ou preocupados com a saúde da mulher. Para isso, é necessário que o poder público adote medidas que acolham as mulheres nos serviços públicos de saúde, respeitando seus limites, e não as expondo a conteúdos e materiais que possam desencorajá-las, constrangê-las, ou provocar sentimentos de culpa, dor, entre outros e, por fim, na pior das hipóteses, levá-las a procurar serviços alternativos, ilegais, não regulamentados, que coloquem em risco sua integridade física ou a própria vida.
  • Somam-se a isso os relatos de alívio de mulheres que conseguiram efetivar o procedimento de forma legal após episódios de violência sexual, como identificamos, por exemplo, em Machado et al. (2015) [6]. Além disso, ainda que sentimentos ambivalentes possam ser identificados em suas narrativas, devemos considerar que o papel do poder público não é o de produzir uma política que não acolha estes sentimentos em toda sua complexidade. Pelo contrário, deve o poder público, através da saúde pública, garantir toda a assistência necessária para que as mulheres possam realizar o procedimento e possam gerenciar suas diferentes emoções. Neste sentido, tomemos como exemplo um estudo realizado por Santos e Fonseca (2022) [7], em que as mulheres participantes relataram sentimentos de frustração diante da falta de escuta qualificada e de uma rede de acolhimento em casos de violência. Como resultado, os serviços de saúde não puderam responder adequadamente à demanda pelo procedimento de interrupção voluntária da gravidez - tendo, de fato, provocado nas mulheres que procuraram atendimento em saúde o efeito contrário: a percepção de que tais espaços resistiam a “se aproximarem dos fenômenos da violência e do aborto” (p. 6).

3 - Com relação às recontextualizações feitas pelos canais midiáticos, recomendamos o seguinte:

  • A disponibilização da íntegra do projeto de lei em todos os canais midiáticos em que for recontextualizado e/ou comentado;
  • A produção de postagens didáticas ou direcionamento a páginas contendo orientações quanto aos casos específicos em que as mulheres devem procurar atendimento em saúde com a finalidade de realizar o procedimento de interrupção voluntária da gravidez. Recomendamos, por exemplo, o direcionamento ao material publicado na página do Ministério Público do Estado de São Paulo, produzido pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo [8], intitulado “Direitos reprodutivos: Aborto Legal”, que tem “o objetivo de informar sobre aborto, os casos permitidos na legislação brasileira e os direitos das mulheres” e pode ser acessado através do seguinte link:
    http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/BibliotecaDigital/BibDigitalLivros/TodosOsLivros/Aborto_Legal.pdf
  • Por fim, recomendamos uma ênfase maior em aspectos relativos aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, como é o caso de documentos, instituições e atores sociais que atuam na garantia destes direitos; e menor em atores sociais que procuram tumultuar, constranger e cercear estes mesmos direitos - inclusive evitando-se a reprodução de seus nomes completos, fotografias em destaque, ou direcionamento a páginas que alimentem redes algorítmicas impulsionadas pela desinformação, pelo negacionismo científico, e pela perseguição às mulheres.

Feitas estas considerações, como conclusão deste manifesto, cordialmente recomendamos ao Exmo Sr. Prefeito do município de Maceió - Alagoas a não promulgação do referido projeto de lei, pelos motivos apontados acima, que por sua vez evidenciam seu caráter perpetrador de uma violência de gênero que, como tantas outras, ameaçam a saúde e a vida das mulheres.

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Autores:

Pedro Gustavo Rieger¹

Bianca Letícia Tavares da Silva²

Cynthia Aciole de Lira²

Daniel Lira da Silva²

Glória Maria dos Santos Gomes²

Tamara Verdino Soares²

¹Professor adjunto na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas

²Discente do curso de Letras Inglês na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas

Referências:

[1]  BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.

[2] UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO. Hospital de Clínicas - Assistência ao Abortamento, 2021. Disponível em:<https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hc-uftm/documentos/protocolos-clinicos/ProtocoloAssistnciaaoAbortamentofinal.pdf>

[3] RUSCHEL, Angela Ester; MACHADO, Frederico Viana; GIUGLIANI, Camila; KNAUTH, Daniela Riva. Mulheres vítimas de violência sexual: rotas críticas na busca do direito ao aborto legal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 10, p. 1-12, out. 2022. Disponível em: <http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1896/mulheres-vitimas-de-violencia-sexual-rotas-criticas-na-busca-do-direito-ao-aborto-legal>

[4] ROMIO, Caroline Matos. Saúde mental das mulheres e aborto induzido no Brasil. Psicologia Revista, São Paulo, v. 1, p. 61-81, 07 mar. 2015. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/24229>

[5] VILLELA,  Wilza Vieira;  BARBOSA,  Regina Maria;  PORTELLA,  Ana Paula; OLIVEIRA,  Luiza Aparecida de. (2012).  Motivos  e  circunstâncias para o aborto induzido entre mulheres vivendo com HIV  no  Brasil.  Ciência & Saúde Coletiva, 17(7), 1709-1719. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csc/a/6rtC86QspPbhrHC5njSvGRG/?lang=pt> 

[6] MACHADO, Carolina Leme; FERNANDES, Arlete Maria dos Santos; OSIS, Maria José Duarte; MAKUCH, Maria Yolanda. Gravidez após violência sexual: vivências de mulheres em busca da interrupção legal. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 345-353, fev. 2015. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/csp/a/ynyNzd6WFfpwhBDr4MrZM6t/?lang=pt> 

[7] SANTOS, Danyelle Leonette Araújo dos; FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa da. Necessidades em saúde de mulheres vítimas de violência sexual na busca pelo aborto legal. Revista Latino-Americana de Enfermagem, [S.L.], v. 30, p. 1-9. 2022. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/rlae/a/WfhmRpSZSpssgwbzhHyJNjt/?lang=pt>

[8]  SÃO PAULO. Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Direitos reprodutivos: “Aborto Legal”. Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 2018

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