MANIFESTO CONTRA O REGIME DE TRAMITAÇÃO DE URGÊNCIA DO PL 3/2024 E O SUBSTITUTIVO

MANIFESTO CONTRA O REGIME DE TRAMITAÇÃO DE URGÊNCIA DO PL 3/2024 E O SUBSTITUTIVO

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17 de março de 2024
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A importância deste abaixo-assinado

Iniciado por Camila Castro

Com advento da Lei nº 11.101/2005 o Brasil inaugurou uma nova fase de modernização e adequação da legislação falimentar brasileira às melhores diretrizes mundiais.

                Foram anos de trabalho e debate intenso, que resultaram em um texto legal e uma jurisprudência que vinham sendo aplicadas com êxito, culminando nas recentes alterações trazidas pela Lei nº 14.112/2020, que, dentre outras modernizações, trouxe a simplificação do processo falimentar e da venda de ativos, com vistas à maximização dos bens da massa e do pagamento aos credores, incluiu o prazo de 180 dias para que o administrador realize esses ativos e possibilitou um retorno mais rápido do falido à atividade empresarial, em claro incentivo ao empreendedorismo e observância ao princípio constitucional da livre iniciativa.

                Apesar da evolução legislativa e jurisprudencial ocorrida nos últimos anos, e de termos alcançado um nível de modernização do sistema de insolvência comparável às melhores legislações mundiais, no dia 1º/01/2024 a comunidade jurídica foi surpreendida com a apresentação do Projeto de Lei nº 3/2024, em tramitação de urgência, alterando substancialmente o procedimento falimentar.

Desde a apresentação do texto original, o PL 3/2024 vem sofrendo duras críticas de todos os operadores do Direito da Insolvência – magistrados, acadêmicos, advogados de credores e de devedores, administradores judiciais, representantes do empresariado, investidores etc.

Não foram poucos os artigos veiculados na mídia e subscritos por renomados juristas relatando os problemas conceituais, práticos e principiológicos a contaminar o texto, bem como criticando a tramitação de urgência.

Essas críticas vão desde os retrocessos introduzidos pelo Projeto de Lei, que equiparam a Lei nº 11.101/2005 ao ineficiente e ultrapassado Decreto-Lei nº 7661/1945, até o excessivo número de atos processuais previstos, passando pela retirada de direito de voto de credores vulneráveis e pela falta de segurança jurídica a ensejar a excessiva judicialização - justamente na contramão da necessidade de maior celeridade, que teria sido a força motriz para a apresentação do projeto.

A principal crítica, no entanto, diz respeito à tramitação de urgência, que impossibilita o amplo debate técnico necessário para a aprovação de um Projeto de Lei com tamanho impacto para a economia nacional, a atividade empresarial e judiciária, excluindo de sua discussão os seus representantes.

Sequer foram chamados a opinar os principais juristas e acadêmicos do meio, dos setores impactados ou quiçá os representantes dos institutos que coordenam estudos sobre o sistema de insolvência nacional, que possuem dentre seus associados os maiores pensadores e operadores do Direito Empresarial.

Em meio a essas críticas, em 16/03/2023 a Deputada Dani Cunha (UNIÃO – RJ), relatora do PL 3/2024 na Câmara de Deputados, apresentou parecer e substitutivo ao texto apresentado pelo Ministério da Economia.

O texto substitutivo, cujo foco parece - estranhamente - ter sido tão somente a nomeação e remuneração desses auxiliares da justiça, além de não resolver as importantíssimas questões controvertidas do texto original, reduziu-se a verdadeiro ataque à administração judicial enquanto atividade essencial ao Poder Judiciário, atribuindo a esses profissionais a responsabilidade pela morosidade e por uma suposta falta de transparência dos processos falimentares.

O substitutivo, ao que se sabe (e se depreende do próprio texto), também não contou com a participação de quaisquer representantes dos setores envolvidos – citados no parecer – ou de profissionais reconhecidos do meio.

Em um evidente ataque, direcionado a uma classe profissional que tanto fez (e ainda faz) pelo sistema de insolvência brasileiro, o texto foi recebido com estarrecimento pela comunidade jurídica como um todo – parte pela sua desconexão com a realidade prática dos processos falimentares, parte pela demonização da figura do administrador judicial como sendo o responsável pela demora na solução dos processos de falência e pela “desmoralização” do instituto.

Rememora-se que muito da evolução experimentada pelo Direito da Insolvência nos últimos anos deu-se justamente pela atividade dos profissionais de administração judicial, que nos últimos anos tornaram-se altamente especializados, organizando-se na forma de sociedades empresárias compostas de equipes multidisciplinares, não apenas de advogados, mas de contabilistas, economistas, administradores de empresas, engenheiros, dentre outros profissionais.

A atividade desse profissional contempla não apenas a mera movimentação processual, mas a análise e interpretação de dados financeiros-contábeis e o fornecimento de custosas ferramentas de comunicação e tecnologia, de modo a possibilitar aos credores total acesso ao processo e participação efetiva nos procedimentos de insolvência, corrigindo assimetrias informacionais entre os credores sofisticados e os hipossuficientes.

A administração judicial, nos dias de hoje, é atividade que possui função social e é de extrema importância para o desenvolvimento econômico do país, seja pela geração de milhares de empregos diretos e indiretos e pela imprescindível ao soerguimento das empresas em dificuldade e à maximização de ativos para pagamento dos credores das massas falidas, principalmente aqueles mais vulneráveis.

Além de manter uma estrutura complexa, sofisticada e custosa – tudo isso para possibilitar a execução de um bom trabalho, que atenda os melhores interesses dos credores - muitas vezes é a própria administração judicial quem sustenta financeiramente o procedimento falimentar, arcando com despesas de guarda e manutenção dos ativos da massa, patrocínio de ações judiciais em que a massa é parte e busca e rastreio de ativos, inclusive no exterior.

O administrador judicial também arca com o ônus de ser responsabilizado patrimonialmente, e de forma ilimitada, pelos atos que pratica.

O substitutivo apresentado pela relatoria vilaniza esse profissional, que já suporta sozinho – inclusive sem o devido suporte dos credores e demais interessados - os custos das falências deficitárias.

Limitar sua remuneração a valores incompatíveis com a estrutura mantida por esse auxiliar é um ataque direto à saúde financeira das administrações judiciais e à sua existência enquanto negócio gerador de empregos e contribuinte de altíssimos tributos.

Trata-se de evidente afronta ao Princípio Constitucional da Livre Iniciativa, decorrente do artigo 1º, inciso IV, e do artigo 170 caput, da Constituição Federal, que garantem a todos os brasileiros e residentes no Brasil exercerem atividade econômica.

E não é só isso.

O substitutivo apresentado pela relatoria limita temporalmente a nomeação do administrador judicial a uma quarentena de dois anos entre uma nomeação e o encerramento do processo em que ocorreu a nomeação anterior.

No estado de São Paulo, por exemplo, houve um recente movimento de criação de varas especializadas para a tramitação de processos de insolvência, que teve como objetivo dar maior segurança técnica e previsibilidade de decisões as participantes desses feitos. O movimento de especialização do Judiciário paulista em matéria de insolvência, ora utilizado como exemplo, resultou na criação de apenas 8 (oito) varas com competência especializada para julgar matéria falimentar no estado inteiro.

São apenas oito varas a atender o estado mais rico da federação.

Esse movimento de especialização cresce e já é verificado também em estados como Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Santa Catarina e Minas Gerais. Desse modo, se aprovada a limitação temporal pretendida pelo substitutivo, e à míngua de mais varas para expandirem sua atuação, os administradores judiciais receberão pouquíssimas nomeações em intervalos de anos.

É compreensível a necessidade de rotatividade das nomeações para evitar favorecimentos. Nessa toada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução Nº 393 de 28/05/2021, já havia limitado a nomeação de administradores judiciais vedando a sua nomeação, simultaneamente, em mais de quatro recuperações judiciais, ou extrajudiciais, e de quatro falências – recomendação que vem sendo rigorosamente seguida pelo Poder Judiciário e que não inviabiliza a atividade desses profissionais.

De rigor repisar, mais uma vez, que a administração judicial é uma atividade exercida por agentes privados, uma atividade empresarial como outras tantas, cuja demanda constante de trabalho fomenta seu fluxo de caixa e, consequentemente, permite a manutenção dessa atividade e dos empregos que ela gera.

Não bastasse isso, o substitutivo ainda prevê uma troca de “mandato” do administrador judicial a cada 2 (dois) anos, caso este profissional não consiga encerrar o processo de falência, imputando ao auxiliar do Juízo a responsabilidade por uma suposta demora na resolução da falência.

Nesse sentido, destaca-se a injustiça e a irresponsabilidade de imputar ao administrador judicial, cuja remuneração se dá ao final do processo e em percentual sobre o êxito na realização dos ativos, a responsabilidade pela demora no encerramento dos processos falimentares. Ele também se torna credor e, logicamente, possui total interesse na maximização dos ativos arrecadados.

O legislador parece esquecer ou desconhecer que realização dos ativos em um processo falimentar é precedida de diversos atos processuais e administrativos e que depende de uma série de variáveis, cujo prazo para concretização depende de atos judiciais, do volume de impugnações e recursos interpostos pelos interessados (inclusive os credores), do julgamento de outras ações etc.

Esquece (ou desconhece) que a arrecadação de ativos não ocorre apenas no ato de lacração, imediato à decretação de quebra. Que muitas vezes o administrador judicial precisa incorrer em outras providências, tais como a propositura de ações revocatórias (para declarar ineficazes os atos praticados pelo falido) ou de incidentes de desconsideração da personalidade jurídica (para atingir os bens do sócio que agiu de forma fraudulenta), o recebimento de precatórios, a cobrança judicial de recebíveis, a busca de ativos no exterior, dentre outras.

São essas providências – sempre em busca do melhor interesse dos credores – que tornam o processo falimentar moroso e o trabalho da administração judicial deveras custoso.

A troca de “mandato” de administradores judiciais a cada dois anos - além de ferir a prerrogativa de confiança do auxiliar do juízo - não colabora com a celeridade do encerramento do processo de falência. Ao contrário, impede a continuidade desse trabalho de arrecadação de ativos, com substancial perda de eficiência, o que certamente prejudicará os interesses da massa de credores.

O cenário desenhado pela apresentação do substitutivo e pela tramitação em regime de urgência do PL 3/2024 inviabiliza a atividade da administração judicial. E inviabilizar essa atividade é, na verdade, submeter todo o sistema de insolvência ao colapso a ser causado pela ausência de profissionais no mercado capacitados para conduzir os processos de recuperação judicial e falência.

Sem a contrapartida econômica a motivar a manutenção de uma complexa estrutura técnica, física e tecnológica por parte dos administradores judiciais, e o consequente desestímulo à consecução dessa atividade, restará ao Poder Judiciário valer-se de auxiliares dativos e sem a necessária especialização para conduzir processos de tamanha complexidade – o enfraquecimento dessa figura resultará na deficiência na arrecadação de ativos da falência e na fiscalização de recuperações judiciais, dando margem a fraudes e subversões desses institutos.

Necessário, assim, questionar a quem interessaria o enfraquecimento dessa figura fiscalizatória.

O PL 3/2024 e seu respectivo substitutivo parece desconsiderar os impactos práticos dessas alterações, também, sobre os principais interessados – os credores, principalmente os hipossuficientes, como os trabalhadores e pequenos fornecedores.

Isso tudo em um momento de retomada econômica no pós-pandemia.

Assim, a aprovação do PL 3/2023 e seu substitutivo sem amplo debate, com a participação de representantes de todos os setores envolvidos, acadêmicos, magistrados e demais operadores do Direito de Insolvência. A precipitação legislativa, no contexto do PL 3/2024, pode acarretar consequências econômicas e jurídicas desastrosas que levarão anos para serem corrigidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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