JUSTIÇA POR ASSATA - contra o racismo obstétrico e o genocídio do povo negro!

JUSTIÇA POR ASSATA - contra o racismo obstétrico e o genocídio do povo negro!

Início
5 de abril de 2022
Assinaturas: 1.055Próxima meta: 1.500
Apoie já

A importância deste abaixo-assinado

Nós, da Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa, bem como pessoas e entidades abaixo-assinadas, solicitamos a realização de audiência pública e abertura de processo de sindicância transparente e isento para avaliar a qualidade e a segurança da atenção obstétrica prestada no Hospital e Maternidade Marlene Teixeira, em Aparecida de Goiânia. 

Há mais de uma década a Parto do Princípio denuncia a situação de violência que as mulheres enfrentam no sistema de saúde, em especial quando buscam assistência a sua saúde sexual e reprodutiva. Desde que nosso dossiê "Parirás com dor" foi entregue à CPMI da Violência contra a Mulher, em 2012, muito pouco mudou na realidade assistencial brasileira, evidenciando-se ainda a intersecção com outras formas de discriminação, como raça, religião e geração. Ao mesmo tempo, a violência obstétrica não só se tornou um termo (re)conhecido, como também um fenômeno estudado e analisado em diversas partes do mundo. 

Em 2019, 3.419 crianças nasceram em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana de Goiás. Cerca de 60% desses nascimentos ocorreram no Hospital e Maternidade Marlene Teixeira, de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde. Uma rápida busca na internet permite identificar alguns casos de negligência, má prática e outras formas de violação de direitos relacionados a esse estabelecimento de saúde, apesar de ele ser habilitado como Hospital Amigo da Criança (e assim receber verbas adicionais pelo Sistema Único de Saúde):

Maternidade Marlene Teixeira funciona sem sala de cirurgia adequada e com riscos a pacientes e funcionários, diz Cremego
https://g1.globo.com/go/goias/noticia/maternidade-marlene-teixeira-funciona-sem-sala-de-cirurgia-adequada-e-com-riscos-a-pacientes-e-funcionarios-diz-cremego.ghtml
19/03/2018

Após o caso do desaparecimento do corpo, direção da Maternidade Marlene Teixeira é afastada
https://www.maisgoias.com.br/apos-o-caso-do-desaparecimento-do-corpo-direcao-da-maternidade-marlene-teixeira-e-afastada/
28/10/2019

Em menos de 40 dias, quatro bebês tiveram fratura durante parto na Maternidade Marlene Teixeira
https://diariodeaparecida.com.br/em-menos-de-40-dias-quatro-bebes-tiveram-fratura-durante-parto-na-maternidade-marlene-teixeira/
04/02/2022

Destacamos aqui o caso de Ayah Akili, uma jovem mulher negra de Aparecida de Goiânia, que sofreu violência obstétrica e racismo obstétrico no pré-natal, no parto e no puerpério. Ayah Akili carrega não apenas as marcas da violência em sua alma, como também o vazio da perda de sua filha, nascida morta no Hospital e Maternidade Marlene Teixeira. Ao tornar público o seu caso, e ver-se cercada de casos semelhantes, Ayah Akili assumiu o protagonismo em um movimento de denúncia e reivindicação por justiça em seu território, agregando outras pessoas e movimentos.

Há 20 anos, no Rio de Janeiro, morreu Alyne Pimentel, de morte materna, de negligência, de racismo. O Estado brasileiro foi responsabilizado por essa morte, condenado em uma corte internacional de direitos humanos das mulheres. A família de Alyne recebeu uma reparação em dinheiro há quase uma década – mas o que mudou desde então?

Os indicadores e as pesquisas mostram que ainda há muito a melhorar no cuidado em saúde, ao mesmo tempo em que as evidências sobre violência obstétrica e racismo obstétrico se avolumam de forma contundente. Não surpreende, assim, que as iniciativas de silenciamento das mulheres se tornem cada vez mais frequentes e atrozes. Neste momento, tememos pela integridade emocional e física de Ayah e suas companheiras. Os poderes estabelecidos em Aparecida de Goiânia estão agindo no sentido de criminalizar o movimento #justiçaporAssata, reprimindo suas manifestações e intimidando apoiadores e apoiadoras, inclusive com força policial armada. 

O Racismo Estrutural tirou a vida de Assata por meio do Racismo Obstétrico. O racismo estigmatiza e elimina vidas consideradas menos importantes. A pele negra sofre a sentença de carne mais barata do mercado diariamente. Essa realidade se desdobra de forma dolorosa nas instituições de saúde durante a gestação, parto e pós-parto de mulheres negras. Alguns conceitos nos ajudam a explicar:

O racismo obstétrico nasce da intersecção entre a violência obstétrica e o racismo institucional. A Violência obstétrica é uma forma de violência sofrida pelas pessoas que dão à luz, submetidas a atos de violência que resultam em sua subordinação porque são pacientes obstétricas. O Racismo Obstétrico é uma extensão da estratificação racial e está inscrito tanto na estigmatização historicamente construída das mulheres negras como nas lembranças de suas interações com médicos, enfermeiras e outros profissionais médicos antes, durante e após a gestação. O racismo obstétrico é uma ameaça para a vida das mães e para os desfechos neonatais. O termo inclui, mas não se limita a, lacunas críticas de diagnóstico; negligência, desdém e desrespeito; causar dor; e exercer abuso médico por meio de coerção à realização de procedimentos ou de realização de procedimentos sem consentimento. Um fluxo de racismo, segregação e policiamento historicamente constituído informa as interpretações das mulheres sobre esses encontros. O racismo obstétrico emerge especificamente no cuidado obstétrico e coloca as mulheres negras e seus filhos em risco. 

Negar analgesia, negar informações, criminalizar familiares, agredir verbalmente, fazer insinuações preconceituosas sobre a gestante, negar acesso ao prontuário médico, negar o direito a acompanhante é̲ ̲v̲i̲o̲l̲ê̲n̲c̲i̲a̲ ̲o̲b̲s̲t̲é̲t̲r̲i̲c̲a̲ ̲a̲l̲i̲a̲d̲a̲ ̲a̲o̲ ̲r̲a̲c̲i̲s̲m̲o̲ ̲i̲n̲s̲t̲i̲t̲u̲c̲i̲o̲n̲a̲l̲,̲ ̲i̲s̲s̲o̲ ̲é̲ ̲r̲a̲c̲i̲s̲m̲o̲ ̲o̲b̲s̲t̲é̲t̲r̲i̲c̲o̲. Impedir que mulheres negras deem à luz a seus bebês com vida, saúde e segurança é Genocídio, segundo o artigo II da Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, aprovada pelas Nações Unidas em 1948.

É ultrajante e inaceitável que Ayah e tantas outras de seu entorno sejam tratadas como criminosas por reivindicarem justiça. Assim, convocamos todas, todos e todes a clamar por #justiçaporAssata, assinando esta solicitação e divulgando o relato de Ayah. Acreditamos que muitas outras mulheres passaram e ainda passam por situações semelhantes, e elas têm o direito de saber que são vítimas, não culpadas.

Segue o depoimento de Ahay Akili:
Em outubro de 2021, eu, mulher preta, moradora da cidade de Aparecida de Goiânia sofri várias violações de direitos e violências durante o pré-natal, que resultaram na perda precoce de minha filha Assata, ainda em meu “ventre livre”. Apesar de apresentar um pré-natal considerado como ‘‘exemplar’’, e manter cuidados com a saúde e a alimentação, durante uma queixa de insônia, foi insinuado por uma enfermeira que me acompanhava na UBS Parque das Nações, que o fato tratava-se de abstinência do uso de drogas. Essa afirmação, visivelmente preconceituosa, se deve a minha opção estética, assumidamente negra, com cabelos dreadlocks e com tatuagens.
Por trás da sentença racista e preconceituosa, na realidade, eu me encontrava em acompanhamento com psicanalista desde o início do trimestre em decorrência de um distúrbio relacionado à ansiedade. 
Além disso, a enfermeira insistiu em práticas arriscadas, como indicação de massagem nos seios, ignorando vários protocolos que afirmam que tais atos podem aumentar o risco de parto prematuro. 
Após a insinuação racista sobre a causa da minha insônia, formalizei uma denúncia no Conselho Regional de Enfermagem (COREN/GO) em 01/09/21, pela conduta racista e imprudência técnica da profissional de saúde. 
Também me queixei várias vezes de dores de cabeça, ocorrência de corrimentos e infecção urinária nos 3 meses anteriores, sintomas que não foram devidamente investigados pelos profissionais que me atenderam.
Minha última consulta pré-natal foi no dia 20/10/21 na UBS Parque das Nações, a 8ª consulta de rotina, mesmo sendo 6 o número recomendado, o que demonstra mais uma vez o cuidado despendido em minha gestação. Na ocasião, relatei fortes dores de cabeça, náusea e vômito (sintomas persistentes à alguns dias), além de muitos edemas, entretanto, tudo foi considerado dentro da normalidade pela equipe médica.
Por volta de 11h, foi feita avaliação da altura uterina, compatível com a idade gestacional (33 semanas e 4 dias), apalpando a barriga dava pra perceber que minha criança já estava em posição cefálica (encaixada), o coração batia a 140 bpm, a enfermeira mostrou o bombeamento de sangue arterial e a pulsação do coração. Dois sons *nitidamente distintos* e vibrantes (eu estava tão emocionada que gravei para compartilhar com meus familiares). A enfermeira até disse “viu, que coração valente!”
Antes de sair do consultório, houve uma leve elevação da pressão arterial (para 130/90), também considerada dentro da normalidade pela equipe médica. Foi recomendado aferir a pressão regularmente e o receituário indicava remédios para náusea, PACO (codeína e paracetamol), e um pedido de ultrassom. Tomei a medicação para náusea após o almoço e me dirigi para a Clínica ULTRAMED - Garavelo para realizar a ultrassom às 14h. Durante o percurso sentia meu bebê se mexer, e ‘contrações de treinamento’. Chegando na clínica, que encontrava-se lotada, só consegui realizar o exame por volta das 15h20.
Durante o ultrassom, o médico informou que não estava identificando BCF (batimentos cardíacos fetais), afirmação confirmada por um outro médico chamado ao consultório. Mesmo eu relatando que havia acabado de escutar os batimentos cardíacos a poucas horas, e que havia inclusive feito uma gravação, o médico, sem escutar, afirmou que se tratava de bombeamento de sangue arterial e não batimentos do coração.
Nesse momento eu fiquei inquieta, extremamente nervosa, não sabia o que dizer, comecei a chorar muito, o Dr. disse ‘‘calma, se você não ficar quieta, não vamos ver mesmo’’.
A consulta foi encerrada e pediram para a recepcionista ligar para a minha mãe, e que me encaminhasse para a Maternidade Marlene Teixeira. Enquanto aguardava, completamente desesperada, ouvi do médico ‘‘fica tranquila, pode ser que seja o meu aparelho com defeito’’. Mesmo sendo uma emergência, não foi contactada uma ambulância, e só consegui chegar à maternidade com a chegada da minha, uma hora depois de Uber. Durante todo esse tempo, sentia contrações. Chegando na maternidade às 16h45, passei pela triagem e fui informada que naquele dia não tinha mais vaga para ultrassom, mas que seria atendida em caráter de exceção, sem laudo comprobatório. Duas médicas me atenderam e constataram o óbito fetal, pois não verificaram frequência cardíaca, nem sinais de cavalgamento, o que indicava que o óbito seria recente.
Na internação pediram exames para rastrear pré-eclâmpsia, avaliou TOTG (curva glicêmica), estavam normais, mas minha pressão teve um pico, que pode ter ocorrido diante do nervosismo em que eu me encontrava.

Durante a internação na maternidade Marlene Teixeira sofri sucessivas violências. Não recebi medicação para alívio da dor, o medicamento para indução do parto só veio ser aplicado horas depois e não estava sendo ministrado conforme a orientação médica. Fui deixada com fome e sede até o dia seguinte por volta das 10h da manhã, mesmo no prontuário estando escrito ‘‘dieta livre’’. Também foram violadas a Lei Federal 11.108/2005 que garante o direito à acompanhante, recomendado pela OMS mesmo em contexto pandêmico, e a Lei Estadual nº 21.078/2021 que garante o acesso à doula, só sendo permitidas após tensas discussões com a equipe de plantão.

Entre 1h quando começou a indução ao parto, e 16h20 quando dei à luz a minha bebê natimorta, perdi muito sangue, e continuei perdendo nos dias seguintes. Durante o procedimento do parto, tive meu pedido de analgesia negado, sob justificativa de que aquele hospital não fazia aplicação de anestesia em parto natural. O cordão umbilical foi pisado e descartado em lixo comum. Não foi permitido que o pai da nossa bebê pudesse vê-la. Tive retenção placentária, então fui encaminhada para o centro cirúrgico coberta com a minha própria toalha, pois segundo me disseram, não haviam camisolas ou lençóis limpos. 
Quando entrei no centro cirúrgico o médico dizendo de forma muito grosseira “o que foi com você?” Eu respondi “minha filha morreu”, ele disse: “vamos levanta logo, eu não consigo te pegar no colo” e eu disse a ele que também não conseguia me levantar, mas ainda assim, me levantei sozinha com certa dificuldade e me deitei na maca.

Permaneci internada até o dia 24/10/21 recebendo transfusão de sangue, foram 5 bolsas no total, sem que fosse dada nenhuma explicação à minha família sobre a razão do procedimento. Não foi informada a causa mortis do bebê, nem o meu real estado de saúde. Foi negado o acesso ao prontuário médico, que também é um direito, mesmo com a presença de advogadas. Meus familiares foram tratados como agressivos, por exigirem informações à equipe de plantão. 

Infelizmente, o que passei durante a gestação e óbito de Assata não é um caso isolado, mas um retrato do que acontece com muitas mulheres, em sua maioria negras, no sistema de saúde brasileiro, e que precisa ter a relevância necessária no contexto de luta por direitos e enfrentamento ao racismo obstétrico ao genocídio do povo negro. A maternidade Marlene Teixeira, especialmente, tem histórico de violência obstétrica, casos de fraturas em bebês, e até mesmo, recém-nascidos colocados em caixas de papelão, por falta de leitos .

Sinto que a morte da Assata seria completamente evitável, se meu pedido de socorro não fosse tido como capricho. O que levou a vida da minha filha foi uma situação de racismo obstétrico, é por que eu sou preta antes de tudo, por que minha filha era preta antes de tudo. Não me deram tiros, mas tiraram meu bebê de dentro do meu ventre e jogaram numa vala. Eu fiquei 3 dias sangrando, sem saber se tinham restos placentários no meu útero, me deixaram pra morrer, se estou viva é por milagre.

 

Aqui encerramos o depoimento dessa mulher e afirmamos diante do exposto:
Nós, que assinamos essa carta, apresentamos a história de Ayah Akili e Assata à sociedade brasileira. Reconhecemos e apoiamos a veracidade e a legitimidade do movimento iniciado por Ayah Akili e solicitamos às autoridades públicas medidas de segurança pela vida de Ayah Akili e familiares, e políticas públicas que garantam a promoção da vida e da saúde das mulheres negras e de todo o povo negro brasileiro.

 

ASSINAM ESSA CARTA:
[última atualização: 12/04/2022 22:06]

Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa

Associação de Doulas do Estado de Goiás - ADOULA-GO 

Comissão Permanente de Políticas de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (CPPIR) - IFG

Secretaria de Inclusão/ Diretoria de Mulheres e Diversidade/UFG

Coletivo Rosa Parks - UFG

GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais/UFG

Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero/FH/UFG

Movimento Autônomo de Mães Ativistas - MAMA Nacional

Federação Nacional de Doulas do Brasil - FenadoulasBR

Sobre Parto - Coletivo de Assistência ao Parto em Salvador-Ba


Se sua organização deseja assinar, acesse: https://forms.gle/hN6MbNabLcqLyMJXA

Apoie já
Assinaturas: 1.055Próxima meta: 1.500
Apoie já
Compartilhe este abaixo-assinado pessoalmente ou use o código QR no seu próprio material.Baixar código QR